Planejamento Integrado e Sustentabilidade do Turismo

Por Carmélia Anna Amaral*

O progresso humano passou a exigir instrumentos para sua viabilização, levando o homem a exercitar sua inteligência para criar e estabelecer inter-relações que se tornam cada vez mais complexas. Essa complexidade exige ordenamento, desenvolvimento e resultados. Para alcançar tal objetivo, cria-se então o planejamento, que tem a racionalidade como seu elemento regulador.

Segundo Muñoz Amato, o planejamento é a formulação sistemática de um conjunto de decisões, devidamente integrado, que expressa os propósitos de uma empresa e condiciona os meios de alcançá-los. O planejamento é, portanto, um processo dinâmico que deve desenvolver-se em bases científicas para que o seu acompanhamento seja correto e possibilite os ajustamentos necessários ao longo do seu desenvolvimento.

Uma marca das sociedades modernas é a ampliação do tempo livre, que provoca o desenvolvimento das atividades de lazer, conseqüentemente do turismo. Isso cria a necessidade de essa atividade ser inserida numa ação de planejamento.

Planejamento é, sem dúvida, o meio correto para consecução do desenvolvimento turístico. Com as transformações ocorridas a partir do pós-guerra, as noções de desenvolvimento no âmbito de quaisquer atividades vêm redefinindo os parâmetros do planejamento, visando a um desenvolvimento sustentável.

O caminho para o turismo sustentável e integrado é o processo de planejamento, que permite analisar a realidade e estabelecer os meios que transformem essa realidade, atendendo aos seus interesses, às suas necessidades bem como às suas estruturas organizacionais.

O planejamento integrado do turismo começa a ser reconhecido em nível institucional. A postura atual dos governos é definir ações democráticas, parcerias com todos os atores sociais do turismo, em que cada um desenvolve suas competências, com vistas a um objetivo comum: o desenvolvimento sustentável do turismo.

No Brasil, a aplicação de “modelos” de planejamento pelo Estado, devido a sua estrutura administrativa complexa, não conduziu o planejamento do turismo através de diretrizes ou políticas básicas no sentido da ação interinstitucional, da integração e da parceria.

Esses pressupostos, a partir da década de 1990, embora presentes nos documentos publicados em relação ao desenvolvimento do turismo, na prática operacional e nos resultados, não são tão visíveis, pois a representatividade do turismo brasileiro no mercado mundial é modesta.

Nesse sentido, pretende-se comentar e analisar a estrutura, as relações, as ações estratégicas que têm sido propostas pelo setor público e pelo setor privado em relação à sustentabilidade do turismo, pois uma estratégia de desenvolvimento turístico perpassa pelo próprio desenvolvimento proposto para os destinos, considerando aí as dimensões do social, do ambiental, do cultural, do econômico, do político e da identidade local, que envolvam o turismo e tenham consenso nas propostas do planejamento turístico.

Turismo e planejamento integrado
O planejamento integrado é uma atividade mais recente. Adotado pelo setor público, objetivou a organização e gestão dos recursos disponíveis para a melhoria coletiva. Embora defina objetivos sociais e econômicos e deva ser abrangente, na prática e nos resultados, mostra falta de integração.

Beni (2000), nos seus estudos, refere-se a um tipo de planejamento para o turismo, o planejamento integrado, dizendo que
“é o planejamento em que todos os seus componentes devem estar sincronizados e seqüencialmente ajustados a fim de produzir o alcance das metas e diretrizes da área de atuação de cada um dos componentes a um só tempo, para que o sistema global possa ser implantado imediatamente e passar a ofertar oportunidades de pronto acompanhamento, avaliação e revisão.”
Nessa mesma linha, Boo (1995), considerando a expansão do turismo e preocupada com os impactos que ele possa causar, principalmente nas áreas naturais, refere-se à necessidade de planejamento e gestão para que os destinos turísticos tenham realmente organização, desenvolvimento e sustentabilidade.

Para organizar e desenvolver o turismo, necessário se faz envolver a comunidade no processo de planejamento, pois a complexidade da produção turística exige o que referencia Acerenza (1992) quando afirma que
“la planificación económica y social, por si misma no es, y no ha de actuar como un proceso que restrinja o involucre en el a las otras actividades tales con las de presupuesto, de personal, de reforma administrativa, de estadísticas, etc... Establece las metas globales del desarrollo con base en sus propios elementos de juicio, y con los que otros sistemas le dan, y fija así un marco de actuación lo más realista posible dentro del cual se han de desenvolver de acuerdo con sus propias concepciones e iniciativas”.
O turismo possui um mercado dinâmico exigindo um planejamento integrado que reflita as necessidades da comunidade receptora, seu envolvimento e participação nas decisões da atividade turística.

Conforme assinala Swarbrooke (2000), o desenvolvimento do turismo nos países emergentes ocorre com os seguintes direcionamentos:

• a maioria dos governos focaliza complexos turísticos em desenvolvimento como “oásis” de desenvolvimento em “desertos” de subdesenvolvimento;
• o estímulo às grandes operadoras turísticas estrangeiras e grandes empreendimentos para desenvolverem o turismo às custas de pequenas empresas locais;
• a centralização efetiva da política de turismo nas mãos do governo;
• o planejamento do turismo, aprovando projetos inadequados por conta de influências e “lobbies”.

Isso resulta da falta de participação e de transparência porque não se discute o turismo como um segmento integrado aos diferentes aspectos do desenvolvimento. A sustentabilidade e o desenvolvimento, tanto do turismo quanto das diferentes atividades produtivas e sociais, só ocorrerão se houver equidade, ética, equivalência de oportunidades e de parcerias.

O planejamento e gestão corretos do turismo devem estar integrados nas políticas sociais, econômicas e ambientais, pois esse é o paradigma da atualidade.

Daniel Corpus, da Asian Institute of Tourism, Filipinas, é referenciado pela Organização Mundial do Turismo ( OMT ), (1993), com um exemplo de planejamento integrado do turismo, em que objetiva a conservação da vida marinha através do programa Bantay Dagat (Guarda dos Mares), envolvendo ações de governo, de empresas, de grupos cívicos e religiosos e da comunidade em geral. Num país arquipélago com 7.100 ilhas, a conservação marinha representa a sustentabilidade do turismo.

Conforme observa Molina (1999):
“os esforços desenvolvidos para promover o desenvolvimento sustentável do turismo requerem a integração de políticas em ter os diversos setores, a integração horizontal entre os setores, a integração horizontal entre os setores da administração central e a parceria entre as diversas instâncias sociais , os governos nacionais, estaduais, municipais e privados”.
Essas idéias foram também trabalhadas por Beni (1998) acrescentando que;
“o planejamento integrado de turismo é um processo muito complexo e difícil por duas razões; o envolvimento inevitável do Estado, na determinação e execução dos objetivos da política de turismo e a diversidade das ações múltiplas e intersetorializadas que constituem a atividade do Turismo e a correspondente ação obrigatória do Estado nestas interfaces”.
Por isso, acrescenta Swarbrooke (2000) que talvez a chave do turismo sustentável consista em criar um clima de opinião de consumidores e uma política de governo nas quais as organizações possam competir na base de quem age de forma mais sustentável.

Essas condições só serão possíveis se os atores sociais do turismo, incluindo nessa relação a mídia, agirem de forma integrada na implementação da atividade turística.

A mídia, um novo ator que se adota, pode colaborar para uma reflexão sensata sobre a responsabilidade, direitos, deveres, conservação e imagem de destinos e consumidores.

A Teoria Geral de Sistemas estudada por Beni oferece idéias e subsídios para estabelecer as relações e a integração dos elementos do planejamento e da sustentabilidade do turismo.

Os estudos de Boullón e Molina, considerando os novos paradigmas do turismo, analisam que governos de países com diferentes níveis de desenvolvimento e de tendências diversas procuram controlar as manifestações do turismo para agregá-las, como benefícios nos seus modelos de desenvolvimento socioeconômico e político, encontrando meios de canalizar tais benefícios para outros campos.

Nesse sentido, é que se deve planejar o turismo considerando os diversos componentes do desenvolvimento na estrutura do mercado e do meio ambiente. O planejamento deve ser desenvolvido como um processo sistemático, com objetivos definidos, pesquisas e análises de todas as variáveis que possam ser envolvidas. Isso porque o planejamento do turismo ocorre em níveis diferentes, indo do macro- nacional/regional ao micro local.

Embora haja diretrizes diferenciadas, os planos de turismo local devem estar correlacionados no contexto dos planos nacionais/regionais.

Considerando a sustentabilidade do turismo, não se podem omitir nos planejamentos os aspectos ético-políticos, pois, para um processo democrático e participativo do turismo, os habitantes dos centros receptores devem se tornar parceiros dos governos, participando das ações para o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, fiscalizando os gestores e legisladores.

No aspecto social, a prioridade estratégica do planejamento é incluir e integrar os excluídos do processo, oferecendo-lhes oportunidades de capacitação para o que produzem (artesanato, bordados, doces...) e para defender e manter suas atividades (pesca, plantio, condução de transportes...), porque tudo isso é essencial ao turismo.

No aspecto ambiental, o planejamento deve sinalizar para um novo contrato natural e social, contando com a parceria de todos os atores sociais do turismo porque a conservação do meio ambiente e dos seus recursos naturais é a premissa básica da sustentabilidade do turismo.

A qualidade social e econômica dos centros receptores, melhoradas pela educação, vai se refletir no processo de planejamento do turismo porque todos os objetivos são integrados.

A qualificação dos recursos humanos, desenvolvida por um sistema de educação e formação como condição prioritária para a sustentabilidade do turismo.

Em razão disso Ruschmann (1997) afirma que o planejamento de localidade turística exige uma série de ações e decisões que só serão bem sucedidas se empreendidas dentro de um processo metodológico.

Amaral (1998) afirma que o turismo pode trazer um nível de vida mais elevado para as comunidades receptoras. Entretanto, isso tem custos, se não se desenvolver um planejamento integrado, no qual os recursos naturais e culturais estejam juntos, pois o ambiente tem as dimensões biofísicas e socioculturais.

À guisa de conclusão
Nenhuma atividade prescinde de planejamento, pois ele estabelece os cenários para o futuro. No turismo, o planejamento cria condições favoráveis para o desenvolvimento da atividade, apesar da complexidade da sua estrutura e produção.

O planejamento integrado facilitará a sustentabilidade do turismo porque quando se adota um modelo de planejamento integrado do turismo:

• o governo cumpre seu papel norteando a atividade considerando sua função de normatizador, de articulador da cooperação inter e intra governamental, de fomentador, de planejador e de viabilizador do processo de desenvolvimento Turístico;

• o empresário, considerando a nova ética do desenvolvimento, poderá regulamentar seu próprio comportamento no mercado e adotar práticas sustentáveis nos negócios turísticos;

• a comunidade, identificando o turismo no planejamento de governo local pode indicar suas necessidades,participar do planejamento,das decisões e fazer a implementação da gestão e da avaliação do turismo;
• as ONGs, como parceiras do processo, poderão contribuir com informações, conhecimento e orientações.

Os componentes do turismo são inter-relacionados e não se pode desenvolver a atividade corretamente senão de forma integrada. Por isso, educação e participação comunitária são a base para qualificar e requalificar o turismo.

*Carmélia Anna Amaral – geógrafa (UFBA), pedagoga (UCSAL), pós-graduada em Turismo (CEPOM/FACTUR), mestra em Geografia (UFBA). Professora da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Turismo da Bahia (FACTUR-FAMETTIG) e professora da Faculdade de Administração – Comércio Exterior. Professora de cursos de pós-graduação da UnB e UA. Consultora do Ministério do Turismo e SEBRAE.

Referências bibliográficas

ACERENZA, Miguel Angel. Administración del turismo: planificación y dirección.2. México; Trillas,1992
AMARAL, Carmélia Anna. Ecoturismo e envolvimento comunitário. In; VASCONCELOS, Fábio Perdigão. (org). Turismo e Meio Ambiente. Fortaleza UECE,1998.
BENI, Mário Carlos. Análise estrutural do turismo. São Paulo: Senac, 2000.
_____Política e estratégia do desenvolvimento regional – planejamento integrado e Sustentável do turismo, 1998. Prova pública oral de erudição. ECA/USP.
BOO, Elizabeth. O planejamento ecoturistico para áreas protegidas. In: LINDBERG, Kreg e HAWKINS, Donald E. Ecoturismo - um guia para planejamento e gestão. São Paulo: Senac, 1995.
EMBRATUR. Política Nacional de Turismo. Brasília, 1996.
LAGE, Beatriz H.G. e MILONE, Paulo César (orgs). Turismo, teoria e técnica. São Paulo: Atlas 2000.
MOLINA, Sergio. Turismo sin limites. México, 1999.
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RUSCHMANN, Doris. Turismo e planejamento sustentável - a proteção do meio ambiente. Campinas: Papirus, 1997.
SWARBROOKE, John. Setor público e cenários geográficos. São Paulo: Aleph, 2000
Artigo publicado em: SOUSA, C. A. A. Planejamento Integrado e Sustentabilidade do Turismo. Marco Social - Educação para o Turismo, Rio de Janeiro, p. 20 - 25, 03 jul. 2002.