Fonte do Pereira: Conhecendo a nossa História

Por Luiza Rudner*

Um dos mais valiosos recursos da natureza, sido apontada como o grande desafio do século XXI, a água é fator imprescindível na existência do ser humano. Sem ela não existiria vida, pois, qualquer forma de vida depende da água para sua sobrevivência. Todas as atividades econômicas e sociais dependem, da disponibilidade da água e pela qual, se requer uma preservação adequada e uso racional. Está presente em três quartos do planeta terra É o que nutre as colheitas e florestas, mantém a biodiversidade e os ciclos no planeta.

O homem é o grande consumidor de água doce. Em média são utilizados 200 litros de água /dia/ pessoa, em números aproximados. A população mundial é de aproximadamente 6,1 bilhões, e estima-se que até 2050 nosso planeta aumente este número para mais ou menos 11 bilhões de habitantes. Sabe-se que com este crescimento populacional, conseqüentemente crescerá também a demanda por alimentos, energia, água e outros o que aumentará também a população e a degradação ambiental. A vida começou com a água e a falta dela pode nos extinguir.

Hoje, para termos acesso a água em nossas casas, basta abrir uma torneira e lá está o precioso liquido, mas nem sempre foi assim. Para que a água chegasse às residências, a figura dos aguadeiros e carregadores de ganho, era fundamental. Dependíamos das águas das fontes para todas as atividades que demandassem seu uso: lavar, cozinhar, beber, limpeza...Será que isto não é importante?

As fontes naturais de água foram de extrema importância para o desenvolvimento da cidade, uma vez que, eram utilizadas para o abastecimento da população. Inicialmente, o abastecimento era feito através de bicas e minadouros, localizados e indicados “provavelmente” pelos indígenas que viviam nessas terras. À medida que a população ia aumentando, conseqüentemente o consumo da água aumentava. Com o passar do tempo, fez-se necessário a construção de fontes e chafarizes, muitos deles ainda em uso, como é o caso da Fonte das Pedreiras na Avenida Contorno e as águas que minam por toda ladeira da Montanha, onde as pessoas “improvisavam” bicas para recolher a água e usar tanto para banho quanto para beber.

Existiam algumas fontes particulares, outras públicas e muitas vezes ocorreram alguns conflitos gerados por apropriação indébita. Afirma SAMPAIO (2005, p, 107) que: “Era vergonhosa a apropriação indébita que “homens de bem” faziam de fontes públicas, desviando nascentes para o quintal de suas casas”.

Frente à crise nas reservas de água do planeta e sua possível escassez num futuro próximo, a recuperação, manutenção das fontes poderá ser um investimento de retorno ambiental, social e econômico, uma vez que a questão ambiental não está desvinculada das questões sociais e econômicas.

A inserção das fontes na paisagem urbana com projetos urbanísticos é perfeitamente viável. Todavia a recuperação das fontes se inscreve no âmbito das políticas públicas mais amplas voltadas para:
• Gerenciar os recursos hídricos;
• Manter a qualidade ambiental;
• Manter a qualidade das águas;
• Conservar a vegetação nas áreas do entorno das fontes;
• Preservar as nascentes e fontes de alimentação dos lençóis freáticos como as dunas;
• Valorizar o patrimônio histórico e cultural;
• Conservação física das fontes;
• Valorização da história da cidade;
• Inserção das fontes em projetos urbanísticos.


Foto Luiza Rudner, 2006.

As questões ambientais em Salvador são conseqüência, principalmente, do seu acelerado e desordenado processo de urbanização. De acordo com a pesquisa realizada, verificou-se que as fontes na sua maioria não estão inseridas nas políticas públicas ambientais, culturais e sociais. Não lhe é dado o valor devido, porquanto muito pouco tem sido feito em relação às mesmas, que tanto contribuíram para o nosso desenvolvimento.

A fonte do Pereira está situada (hoje só existe uma placa no local) na entrada inferior da ladeira da Montanha. Sabe-se que as fontes geralmente eram “batizadas” com o nome dos proprietários ou de quem as exploravam. Esta fonte segundo (EDELWEISS, pg. 23), foi “a grande fonte bem à borda do mar”, que tinha atraído a atenção de Tomé de Souza, para servir a aguada dos navios e serviços da cidade.

No caso da Fonte do Pereira, o nome veio de um degredado vindo com Tomé de Souza, homem de visão que requereu e obteve à época a concessão do terreno contíguo a uma fonte e se estabeleceu assim como o seu comércio:

Realmente o sítio era privilegiado. Porto de passageiros, aguada principal dos navios onde também se abastecia grande parte dos habitantes, a fonte era passagem ou parada obrigatória para muitos; a sua vizinhança oferecia ensejos únicos para negociar com a marinhagem e servir de intermediário entre a beira-mar e a cidade. Ainda vamos mais longe, afirmado, sem grande risco de errar, que a ladeira da Misericórdia deve o seu traçado, senão a sua própria existência, em primeira linha à Fonte do Pereira, cujo perspicaz patrono foi, provavelmente, também o primeiro negociante da Cidade Baixa (EDELWEISS, 1940, p. 24).
Durante a etapa de pesquisa, após ler mais uma vez Edelweiss, foi feita uma visita ao local para comprovar a veracidade das palavras que o mesmo escrevera (1940, p.27), (...) “a nascente existe e, naquele canto vazio, onde o muro não é de arrimo, pois encobre até hoje o reservatório”, (...) o local visitado foi o edifício Taveira citado por Edelweiss como “A Casa da Águia”.


Foto Luiza Rudner, 2006.

Chegando-se até o primeiro andar pode-se constatar a veracidade das palavras acerca da fonte do Pereira.



A visita foi registrada com fotos do local em que a água jorra sem parar. É lamentável um “achado” deste porte não ter o devido valor, poderia ser resgatada a antiga fonte e ser um atrativo a mais para Salvador.



Foto: Luiza Rudner, 2006



 Foto Luiza Rudner, 2006. Ed. Taveira, (pátio interno) sito à parte inferior da Ladeira da Montanha, Comércio, Salvador-Ba

Numa reportagem do jornal “A Tarde” encontramos referências sobre a Fonte do Pereira obtidas por entrevista com a moradora Mãe Preta:
Fonte do Pereira logo se tornou ponto de encontro da gente do mar (ainda não existiam as terras do bairro do Comércio e o mar chegava à encosta). Foi assim até o início do século XX, quando um paredão de alvenaria e pedra revestiu a encosta e encobriu a fonte. De acordo com a placa incrustada ao pé da ladeira, ela funcionou até 1912. O paredão bloqueou a fonte, mas a água tem de ir para algum lugar. E continua a brotar em pontos da ladeira, como a bica que Mãe Preta utiliza. Mas as condições são precárias, o local não é limpo. (BOCHICCHIO, 2003, p. 6-7).
Até o dia em que a reportagem foi feita, Mãe Preta afirma que ainda utiliza a água para “lavar o chão e cozinhar”. Segundo Mãe Preta, se não fosse aquela água, muitas pessoas passariam mal nos dias em que faltasse água encanada. Continua Mãe Preta, “aquela água dali tem é história, minha filha”.

Nos idos de 1940, as moças que faziam a vida na Misericórdia pegavam água dessa fonte, que era usada “pra lavá os home depois da relação”. Continua Mãe Preta: “É muito boa essa água, nunca deu doença por causo dela”. A reportagem observa que “o mais provável é que as bicas da região sejam resquícios da Fonte do Pereira, uma das mais antigas de Salvador”.

Ainda na reportagem de Regina Bochicchio, a água que brota no entorno da área onde provavelmente funcionou a Fonte do Pereira é de boa qualidade. Um estudo descobriu que, em dois dos sete pontos estudados na ladeira da Montanha e Misericórdia, a água pode ser considerada ótima segundo índices internacionais de qualidade. A geóloga e doutora em recursos hídricos Suely Mestrinho, professora da Universidade Católica do Salvador e autora do estudo, ressalva que seria importante manter um monitoramento contínuo para avaliar outros indicadores de potabilidade. Suely trabalha num projeto de pesquisa para analisar a qualidade da água das fontes de Salvador. Estudos com esse fim são escassos e feitos há mais de uma década. Precisam ser atualizados. Porém, são importantíssimos, principalmente em se tratando deste rico patrimônio histórico que são as fontes, ao menos deveriam receber dos poderes públicos mais atenção. Suely Mestrinho lembra que esgoto doméstico pode ter poluído a água e a pavimentação da cidade pode ter impedido que os mananciais sejam recarregados pelas chuvas. Neste caso, a fonte corre o risco de exaurir-se, secar, como aconteceu com a Fonte dos Padres dentre outras.

Pode-se entender que as fontes, como a do Pereira tiveram um papel tanto na vida econômica quanto no social. Foram partes integrantes na formação da cidade do Salvador. Sobre esta fonte, Edelweiss escreveu:
Quando, trinta anos após a fundação da Bahia, Gabriel Soares toma os seus apontamentos, já o nome era corrente na bôca do povo, conforme se depreende das seguintes palavras suas: “Um caminho) da banda do norte (a Ladeira da Misericórdia) é serventia da fonte que se diz do Pereira”. Esta nossa fonte, a primogênita de todas elas, parece ter conseguido resistir aos efeitos das invasões e das vicissitudes dos tempos, apenas para sucumbir inexplicavelmente à picareta demolidora dos sentimentos iconoclastas dos nossos dias.

E, no lugar onde três séculos e meio cochichavam as suas novidades, intrigas e bisbilhotices, lêmos hoje um melancólico epitáfio: “Aqui houve a Fonte do Pereira até o ano de 1912, sendo estabelecida em 1599 (sic!) por um indivíduo com tal nome.”

Nela se abasteciam os navios da precisa água, quando neste lugar batia o mar, que foi sendo recuado à proporção que se foram construindo cais de que o atual é o terceiro”. (...) “A Fonte do Pereira tinha bonita arcada exterior encimando um tanque para o qual a água jorrava de duas torneiras de metal. Dava acesso a uma subida de quatro degraus e um pequeno terraço arrematava o conjunto”. (...) a Fonte do Pereira, diante da qual os construtores da ladeira da Montanha se curvavam com respeito, garantindo-lhe o merecido agasalho dentro da muralha ciclópica, foi inexplicavelmente sacrificada pela reforma de 1912. (EDELWEISS, 1940, p. 24-27).
Fica registrada a nossa indignação com a falta de atitude dos poderes públicos, em tomarem uma posição em relação a um patrimônio de valor inestimável como este. O desejo de restaurá-la é antigo:

E agora, meus companheiros, passo a despretenciosa idéia à nossa Subcomissão de Urbanismo. Um dos membros também é Prefeito da Capital: Que lhe falta para fazer ressurgir a nossa primeira fonte? Umas lages venerandas e algum portal vetusto da antiga Sé fornecerão material condigno para os contornos desse recanto destinado à nossa devoção histórica; os restos de um dos chafarizes encostados completar-lhe-ão o acabamento.
E, desta feita, pelo menos, na “Cidade do Houve”, desaparecerá um epitáfio e, onde houve, novamente haverá, alvo da veneração de todos e murmurando perene agradecimento, a velha Fonte do Pereira.(EDELWEISS, 1940, p. 27).
Fonte: texto extraído da Monografia - Fontes de Salvador: Apogeu e Decadência, Maria Luiza Rudner

* Especialista em Desenvolvimento Regional e Planejamento Ambiental, Turismóloga, membro da Oficina de Planejamento Turístico e também atua em projetos que tem como foco aspectos sociais e ambientais.
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