As cidades e o turismo

Por Carmélia Amaral*

As cidades concentram atrações, serviços, produções culturais, equipamentos e outros, tornando-se assim espaços privilegiados.

O geógrafo alemão Walter Christaller [1933], propôs, na sua Teoria de Localidades Centrais, uma rede hierárquica de cidades, onde as maiores ofereciam serviços, bens superiores, como centros de compras, lazer, entretenimento, comércio especializado, serviços diversos e grandes espetáculos. Esses fatores sempre foram atrativos e, na atualidade, continuam transformando grandes cidades como Londres, Paris, Nova York e outras em grandes centros turísticos.

Outros estudiosos há muito tempo consideravam as cidades como espaços importantes. Observando-as destacavam alguns dos seus aspectos que hoje o turismo ultiliza como chamamento e criação de atrativos.

No século XIX Lavasseur, um geógrafo francês, afirmou que a cidade é uma prestadora de serviços e desenvolve as pessoas. Turismo é fundamentalmente serviços. Nas cidades, os equipamentos de apoio ao turismo – restaurantes, teatros, hotéis, postos de informação, lojas e tantos outros – oferecem serviços, e para serem competitivos, devem agregar os serviços que prestam um valor essencial – a qualidade.

No século XX as afirmações de outros estudiosos foram as mais diversas. Park, jornalista judeu, diz que a cidade é mais que uma aglomeração urbana, é um estado de espírito. O turista, ao perceber o significado e a significação da sua arquitetura, da suas cores, da sua história, da sua gente, dos seus costumes e dos seus cheiros, sente-se envolvido pelo “espírito” da cidade, desenvolvendo por ela um sentimento afetivo que muitas vezes o faz retornar para fazer novas leituras.

Segundo Castrogiovani e Gastal [1999], cada cidade é singular, oferece um espetáculo diferenciado, centraliza uma série de possibilidades que criam um grande poder de sedução. É essa sedução que atrai uma demanda turística ávida pelo lazer, pelas compras, pelos espetáculos, pela cultura. A cidade se apresenta, então, como um espaço turístico que exige ordenamento, planejamento e avaliação das ações que são desenvolvidas.

Nas cidades, concentra-se uma oferta turística significativa, pois o ambiente das cidades se renova constantemente. Seu espaço é dinâmico e oferece ao visitante experiências e percepções diferentes.

Josué de Castro, geógrafo pernambucano, destacou a paisagem cultural das cidades e Jean Tricat, também geógrafo, ressaltou a função histórica das cidades. A cultura e o patrimônio são marcas identitárias das cidades.

O APROVEITAMENTO TURÍSTICO DAS CIDADES
As cidades são procuradas como destinos turísticos em função dos atrativos e produtos culturais que oferece. O consumo desses bens e serviços culturais ensejam o segmento de turismo cultural. A cultura é um insumo para formatar produtos turísticos.

O Jornal A Tarde do dia 29/06/06, página 03, no seu editorial intitulado Turismo Carente refere-se a retração do fluxo turístico da Bahia, quando a Bahia tem imagem, tem cultura, tem uma arca de beleza variadas a expor e por isso não pode centralizar seus esforços no carnaval e na temporada do sol.

Refletindo sobre isso é necessário ter criatividade e aproveitar oportunidades. É o que fez a cidade de Paris, que aproveitando o sucesso do livro de Dan Brown – O Código Da Vinci – criou um roteiro que envolve atrativos culturais já conhecidos [Museu do Louvre, Hotel Ritz, Igreja de Saint Sulpice], agregando-lhe um novo valor – o mistério.

Os efeitos desse roteiro se fizeram sentir já em 2005 com 7,3 milhões de pessoas que foram admirar a Gioconda [Monalisa] e 20 mil a mais de visitantes na Igreja de Saint Sulpice em San Germain-des-Pres, segundo o Jornal A Tarde de 20/06/06 – Caderno de turismo.

Salvador e outras cidades brasileiras devem observar esse exemplo e formatar novos roteiros baseados na diversidade cultural que existe nos seus centros urbanos.

A evolução urbana instituiu modelos novos de expansão e, em muitos lugares, os centros começaram a se deteriorar, perdendo seu valor. Alguns centros resistiram, como em Paris, cujo centro nunca perdeu o prestígio; morar nele é privilégio.

A partir da década de 1970, conforme Racine, geógrafo suíço, as cidades começaram a renovar seus centros. Revalorizava-se o patrimônio, inseria-se modernidade de serviços, geravam-se negócios, principalmente em função do turismo. Assim foi com Nova York, Buenos Aires, Barcelona e outros. O movimento chegou ao Brasil com a renovação dos centros de Salvador, Recife, São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo, pois todas essas cidades possuem valioso patrimônio cultural e histórico.

Segundo a UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura] patrimônio cultural inclui edifícios, monumentos, conjuntos arquitetônicos, a pintura, a escultura e as obras conjuntas do homem e da natureza com valor universal para a história, a arte e a ciência.

Esse patrimônio diferenciado está presente nos centros das cidades, capitais ou não, e se deteriora, apesar do seu valor. O turismo – e uma nova consciência sobre o valor histórico dessas áreas – incentiva a renovação desses centros.

Atualmente as políticas de conservação do patrimônio consideram as possibilidades de utilização de acordo com as necessidades da comunidade, sem, contudo, desvalorizar o seu significado. O lazer e o turismo se adequam como atividades para tal uso. Os espaços culturais, os parques urbanos, os museus, igrejas e fortes são excelente atrativos.

O patrimônio, no entanto, necessita de sustentabilidade. Daí a importância da participação social, da identidade cultural, do desenvolvimento, do conhecimento e o entendimento de que existe uma capacidade física e psicológica do lugar para suportar atividades turísticas, sem perder a qualidade do meio ambiente.

Melendez [1996], citando Leal e Rios, chama atenção sobre os centros, dizendo que diante da necessidade de revitalizar as estruturas existentes, a requalificação urbana e arquitetônica, necessita criar usos sociais para os centros a fim de dar-lhes um sentido funcional em face dos investimentos físicos que foram feitos.

Novas funções para essas áreas podem ser serviços de consumo coletivo, de associações, atividades de caráter sociocultural, como recreação e turismo, fatos que já ocorrem.

Faz-se necessário mudar o paradigma do uso, pois existe uma tendência de os organismos fazerem investimentos em novos serviços ou construções. A revalorização do patrimônio é um instrumento para o exercício de uma política local que vai se consolidando com os novos usos para as áreas ou edifícios.

No caso de Salvador – Bahia, promovendo-se usos eficientes e sustentáveis nessas áreas poder-se-á propor:

• atividades para grupos de qualquer idade ou nível socioeconômico;
• incentivos para investimentos;
• programas educativos para a comunidade valorizar e defender o patrimônio;
• compatibilizar os planos de turismo com os planos urbanos para se manter os centros históricos;
• desenvolver corredores turísticos entre os diversos centros representativos para que se possa “ler” o processo histórico da cidade a exemplo de Pelourinho – Carmo – Cidade Baixa, Estrada da Rainha – Lapinha – Pirajá, Ponta de Humaitá – Boa Viagem – Rampa do Mercado Modelo;
• realizar atividades turístico-recreacionais em todos os sítios de valor histórico- cultural, como por exemplo, Pelourinho, Carmo, Saúde, Lapinha, Dique do Tororó, Ponta de Humaitá, Porto da Barra, Largo da Graça, Rio Vermelho, Pirajá. Campo Grande, Praça Castro Alves... Com isso, reabilitar-se-ão esses sítios, ampliando a oferta e as oportunidades de novos negócios de serviços, além de impostos que retornariam num ciclo virtuoso para manter essas áreas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relação das cidades com o turismo está em função dos atrativos e atrações ofertadas e da hospitalidade que o visitante experimenta. De resto o que “toda cidade deseja fazer é vender a experiencia da interação do visitante com a sua originalidade específica, o patrimônio propriamente dito”, segundo Wainberg [1999].

Os espaços urbanos possibilitam a oferta de diferentes segmentos de turismo como o turismo cultural, o turismo de eventos, o turismo de lazer, o turismo de negócios, o turismo desportivo, o turismo de incentive e o turismo religioso.

No espaço das cidades o turista, através da percepção e do olhar seleciona as diferenças, estuda a organização [Brasília], os signos [Coliseu Romano, Cristo Redentor, Torre Eiffel, Igreja do Bonfim], as diferenças e exclusão [menores de ruas, mendigos, favelas].

O turismo beneficia também as cidades com a reabilitação de imóveis, renovação de áreas, novas vias de acessibilidade, pois, como afirma Ítalo Calvino apud Gastal [1999], “o olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além dos nomes com os quais dela define a si própria e todas as suas partes”.

Cada cidade é única; e únicos também são seus produtos e consumo cultural.

*Carmélia Amaral – Licenciada e Bacharel em Geógrafo [UFBA], Licenciada em Pedagogia [UCSal], Pós-Graduação em Turismo [Cepom/Factur], Especialização em MDO [George Washington University], Mestre em Geografia [UFBA]. Profa. da Graduação e pós-graduação da Faculdade de Turismo da Bahia, consultora na área de turismo.

Referências Bibliográficas

CASTROGIOVANI, Antonio Carlos [org]. Turismo Urbano: as cidades como sites de excitação turística. Porto Alegre: Dos Autores, 1999.
GASTAL, Susana. O produto cidade: caminhos de cultura, caminhos de turismo. In: CASTROGIOVANI, Antonio Carlos [org]. Turismo Urbano: cidades, sites de excitação turística. Porto Alegre: Dos Autores, 1999.
MELENDEZ, Anaida. Turismo Sostenible. In: I Congresso Internacional de Geografia e Planejamento de Turismo. São Paulo, 1996.
MONNET, Jérome. O Álibi do Patrimônio. Revista Patrimônio Histórico e Artístico Cultural. Nº24, IPHAN, 1996.
SILVA, Sylvio Carlos B. de M. Teorias de localização e de desenvolvimento regional: Geografia. Rio Claro, nº 02, p; 1-23, ano I, 1976.
WAINBERG, Jacques A. Cidades como sites de excitação turística. In: CASTRIGIOVANI, Antonio Carlos [org]. ]. Turismo Urbano: as cidades como sites de excitação turística. Porto Alegre: Dos Autores, 1999.

Artigo publicado em: SOUSA, C. A. A. As Cidades e o Tursimo. In: Regina Celeste de Almeida Souza; Maria Cândida A. de M. Mousinho; Natália Coimbra de Sá. [Org.]. Turismo Cultural - Novos Desafios. Salvador: Universidade Salvador - UNIFACS, 2007, v. , p. 123-127.