Modelo Cubano de Produção de Alimentos é Exemplo contra Crise Mundial


As hortas são feitas no meio da cidade, em qualquer
área vazia/Foto:Territorius
Entre os anos de 2007 e 2008, o mundo viveu uma crise de produção de alimentos que alertou toda a humanidade para a fragilidade do sistema de abastecimento de comida no planeta. Os alimentos ficaram mais caros e autoridades e sociedade civil esquentaram o debate sobre uma possível escassez de comida em um futuro próximo.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as principais causas do problema foram o aumento da demanda, a alta do petróleo, a especulação e condições climáticas desfavoráveis. Outros especialistas ainda defenderam que a produção em larga escala de biocombustíveis e de suas matérias-primas (como a cana-de-açúcar e o milho) fizesse com que esses cultivos ganhassem o espaço dos alimentos.

Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, hoje apenas 15% do cultivo mundial de alimentos é feito em centros urbanos, apesar de mais da metade da população de todo o mundo viver em cidades. Ao mesmo tempo, a FAO afirma que a quantidade de comida produzida no planeta precisará crescer 70% até 2050 para suprir as necessidades da população, que nessa época, deverá ser composta por 70% de moradores urbanos.

50% da agricultura cubana vêm das plantações urbanas
Fotos: The Power of Community
Em meio a tantos debates, uma nova proposta cresce a cada dia: o consumo de frutas, verduras, legumes e demais alimentos produzidos localmente. Esse movimento prioriza a comida produzia dentro de um raio de até 240 quilômetros, o que contribui para a redução de emissões de gases tóxicos, do consumo de combustíveis e todos os outros fatores ligados ao transporte destes alimentos.

Revolução Orgânica
E quem saiu na frente quando o assunto é produção local de alimentos foi a ilha de Cuba. A república socialista sofre com um rígido embargo comercial imposto pelos Estados Unidos desde 1962 e teve sua situação agravada com a queda da União Soviética, em 1991.

Com a crise, o país viu sua população sofre com a falta de comida. A FAO estima que o consumo diário da população cubana caiu de 2.600 calorias por dia no final dos anos 80 para algo em entre 1.000 e 1.500 calorias diárias em 1993. Sem recursos ou apoio internacional, Cuba precisou começar do zero, dessa vez, maximizando a produção interna de alimentos e contando apenas com o que possuía: terra e trabalhadores.

Assim, foi implantado um modelo de produção de alimentos isento de combustível para tratores, fertilizantes, pesticidas ou máquinas de grande porte. Os agricultores passaram a usar carros de boi, composto orgânico e insetos para controlar pragas e facilitar o manejo da terra.

O que poderia ser um desastre se transformou em exemplo mundial. “O país possui 170 centros de vermicomposto ou ‘organopônicos’, a produção anual cresceu de 3 para 9.300 toneladas. Técnicas como rotação de culturas, maturação verde, consorciação e conservação do solo foram todas integradas na agricultura de policultura”, afirmou em entrevista ao jornal The Independent o professor Jules Pretty, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Essex.

Desde 2008, o governo passou a arrendar terras
não utilizadas para pequenos agricultores e cooperativas
Batizado de Revolução Orgânica, o novo modelo fez com que os cubanos passassem a produzir seus próprios alimentos de forma natural e local. Qualquer terreno era suficiente para uma pequena plantação. As cidades foram tomadas por pequenas hortas caseiras e o país hoje possui uma taxa de consumo diário de 2.600 calorias, enquanto que o consumo mundial de calorias caiu 11% entre 1990 e 2002.

“O que aconteceu em Cuba foi memorável”, afirmou a socióloga da Universidade da Califórnia, Laura Enriquez. “Foi notável o fato de eles terem priorizado a produção de alimentos. Outros países da mesma região escolheram a opção neoliberal e se voltaram para a exportação dos seus bens e importação de comida. Os cubanos preferiram a segurança alimentar e parte disso foi priorizando os pequenos agricultores”, completou.

Novas medidas
Em setembro de 2008, o governo cubano passou a arrendar terras não utilizadas para agricultores e cooperativas, medida que recebeu a aprovação de grupos de ajuda internacionais. Estacionamentos, terrenos baldios e até telhados passaram a servir de abrigo para pequenas plantações.

Hoje o país já possui mais de sete mil lotes urbanos que agrupam cerca de 35 mil hectares com produção local de comida. Eles foram criados em pequenas parcelas de terra no centro das propriedades ou entre as casas coloniais em ruínas que tomam conta de Havana. Os mais de 200 jardins espalhados pela cidade são fonte de 90% das frutas e vegetais consumidos pela população local.

Os alimentos são produzidos e vendidos no mesmo lugar, reduzindo o impacto ambiental e os custos com transporte

Dados do documentário The Power of Community apontam que 50% da agricultura cubana vêm de plantações urbanas. Nas cidades pequenas esse índice pode ficar entre 80% e 100%, reduzindo ou eliminando a necessidade de transportar a comida por longas distâncias.

“Eu não diria que eles têm a capacidade de produzir comida suficiente para toda a ilha, mas por questões sociais e naturais, essa é a resposta mais adequada para uma crise”, defendeu em entrevista à agência Reuters a socióloga americana e estudiosa dos jardins urbanos de Cuba, Catherine Murphy.

Nem tudo é perfeito
Apesar das vantagens da agricultura local, é importante estar atento a outros fatores além da distância percorrida pela comida. O tipo de transporte, os métodos de produção e até a forma como os alimentos são embalados podem influenciar no saldo total dos impactos, já que tudo isso contribui para as emissões de dióxido de carbono.